sábado, julho 30, 2005

Não estou

Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o verão quente do dia,
Não estou pensando em nada, e que bom!
Pensar em nada

É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
E como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada...


Álvaro de Campos (FP)

sexta-feira, julho 22, 2005

Seremos todos uns cometas?


Surgimos. Aparecemos. Cheios de luz. Uns mais coloridos que outros. Vivemos. Brilhamos. Às vezes. Deixamos rasto. Por vezes. E por fim, desaparecemos na escuridão.
Seremos todos uns cometas?

MC

segunda-feira, julho 18, 2005

Reunião de Sentimentos Humanos

Os Sentimentos Humanos certo dia reuniram-se para brincar. Depois de o Tédio ter bocejado três vezes porque a Indecisão não chegava a conclusão nenhuma e a Desconfiança estava a tomar conta, a Loucura propôs que brincassem às escondidas. A Curiosidade quis saber todos os detalhes do jogo e a Intriga começou a cochichar com os outros que certamente alguém ali iria fazer batota. O Entusiasmo saltou de contentamento e convenceu a Dúvida e a Apatia, ainda sentadas a um canto, a entrarem no jogo. A Verdade achou que isso de se esconder não tinha graça nenhuma, A Arrogância fez cara de desdém, pois a ideia não tinha sido dela e o Medo preferiu não se arriscar: - “Ah, vamos deixar tudo como está.” E como sempre perdeu a oportunidade de ser feliz. A primeira a esconder-se foi a Preguiça, deixando-se cair no chão atrás de uma pedra, ali mesmo onde estava. O Optimismo escondeu-se no arco-íris e a Inveja ocultou-se juntamente com a Hipocrisia, que, sorrindo fingidamente atrás de uma árvore, estava a abominar aquilo tudo. A Generosidade quase não se conseguia esconder porque era grande e ainda queria abrigar meio mundo. A Culpa ficou paralisada, pois já estava mais do que escondida em si mesma. A Sensualidade estendeu-se ao sol num lugar bonito e secreto para saborear o que a vida lhe oferecia, porque não era nem parva nem fingida. O Egoísmo achou um lugar perfeito onde não cabia mais ninguém. A Mentira disse à Inocência que se ia esconder no fundo do oceano, onde a inocente acabou afogada. A Paixão meteu-se na cratera de um vulcão activo e o Esquecimento já nem sabia o que estavam ali a fazer. Depois de contar até 99 a Loucura começou a procurar. Achou um. Achou outro. E outro. Mas ao remexer num arbusto espesso ouviu um gemido: era o Amor, com os olhos perfurados pelos espinhos. A Loucura tomou-o pelo braço e seguiu com ele, espalhando beleza pelo mundo. Desde então o Amor é cego e a Loucura acompanha-o. Juntos fazem a vida valer a pena – mas isso não é coisa para os medrosos nem para os apáticos, que perdem a felicidade no matagal dos preconceitos, onde rosnam os deuses melancólicos da acomodação.


De Martha Hertzberg – adaptado por Lya Luft e

Readaptado por MC

terça-feira, julho 12, 2005

Poente

Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?

FP

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos (FP) 15-01-1928

sábado, julho 09, 2005

Pegadas


















As ondas facilmente apagam as pegadas gravadas na areia mas as pegadas gravadas na memória, jamais serão apagadas. Essas, caminham rumo à eterninadade...

MC

quinta-feira, julho 07, 2005

Estou cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,

Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos (FP)

quarta-feira, julho 06, 2005

Paremos para pensar

Não me lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos para não morrermos soterrados na poeira da banalidade. Oca. Vazia. Ofuscante. Ensurdecedora. Compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demasiado acomodado. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos cornos, conhecer o desconhecido, tocar nos limites, ultrapassá-los e voltar para dentro deles, para depois voltar a abandoná-los, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido, a cada momento. Para se reinventar é preciso pensar. Pensemos então. Paremos para pensar. Para reflectir.

MC
(inspirado ou adaptado de Lya Luft)

segunda-feira, julho 04, 2005

Observo um aquário

Observo um aquário. Vários peixes, de muitas cores, navegam circunscrevendo trajectórias sem sentido. Mas com todo o sentido. Concentro-me num peixe, o maior, o mais velho, provavelmente, que navega junto ao fundo. Observa. Inspecciona. Vem a cima. Desce novamente. Contempla todos os outros. Observo um outro que não sai da superfície. Busca alimento. Parece. Outros dois guerreiam-se. Lutam não sei por que razão. Mas eles devem ter uma razão. Eu sei que eles sabem por que lutam. Não lhes perguntei porque sei bem que a minha voz não conseguiria ultrapassar o vidro do aquário. E se ultrapassasse essa fronteira, ficaria distorcida. E eles não me entenderiam. Para além disso, não sei se eles entendem a minha língua. Então, não lhes perguntei. Apenas os observei. A lutar. Correr. Fugir. Brincar. Talvez. Enquanto isso, outros dois peixes namoravam. Pareceu-me. Aquilo não era uma luta. Não, não podia ser. Só podia ser um Peixe e uma Peixa a namorar. Percorriam todo o aquário. Desciam ao fundo, ascendiam velozmente e voltavam a descer. Não se cansavam. Ora ia o peixe à frente, ora ia a Peixa. Olhavam-se carinhosamente. Os seus lindos olhos brilhavam como pirilampos fluorescentes. As borbulhas da água do seu respirar pareciam formar pequenos grandes corações. Eles não observavam os outros. Apenas se observavam um ao outro. Tudo o que faziam era um pelo outro e em função um do outro. O peixe maior, o mais velho, não lhes interessava. Os dois peixes a guerrearem-se muito menos. A falta de alimento também não constituía problema. Eles estavam muito bem alimentados. De amor.

MC


Nota do autor: Tenho uma paranóia (mais uma) que consiste em observar aquários e tentar entender os peixes. Sou capaz de ficar vários minutos/horas a observar um aquário. Este texto foi pensado durante a observação atenta de um aquário que mora num bar que costumo frequentar.

sábado, julho 02, 2005

Oceano das Tonticidades


















Aqui está o Oceano das Tonticidades.
Para cá da linha de costa, tudo é negro, preto.
Para lá da linha de costa, tudo tem cor.


MC

sexta-feira, julho 01, 2005

Mar Azul

Navego por auto-estradas de memórias, imaginárias, reais, recordações, alucinações. Um barco sem remos leva-me por esse Mar Azul. Converso com um piano. Sento-me sobre uma onda. Componho uma sinfonia. Uma sonata. Um poema de Neruda. Florbela. Garret. Sophia. Mar. Azul. Uma Sereia desliza pela areia. Descalça. Verde. Como as algas. Outra onda. Azul. Junta-se à minha. Onde me sento. Com o meu piano. Um barco apodera-se de nós. Devora-nos. Perdemos a cor. Sentimos calor. Vermelho, laranja, rosa. Abro os olhos e vejo-me. Acordado. Infelizmente.

MC

Morre lentamente

Morre lentamente
Quem não viaja
Quem não lê
Quem não ouve música
Quem destrói o seu amor-próprio
Quem não se deixa ajudar...


Morre lentamente
Quem se transforma escravo do hábito,
Repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
Quem não muda as marcas no supermercado,
Não arrisca vestir uma cor nova,
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão,
Quem prefere o "preto no branco" e os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
Justamente as que resgatam brilho nos olhos,
Sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.


Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
Quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
Quem não se permite, uma vez na vida,
Fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente
Quem passa os dias queixando-se
Da má sorte ou da chuva incessante,
Desistindo de um projecto antes de o iniciar,
Não perguntando sobre um assunto que desconhece
E não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves,
Recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples acto de respirar...

Estejamos vivos, então!



Pablo Neruda

Noite de Saudade

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

Florbela

Profundezas

Sete dias sem novas tonticidades. O mesmo número de dias de navegação pelas profundezas profundamente profundas dos oceanos das tonticidades. Nessas profundezas comunica-se profundamente com os peixes de águas profundas. Em águas profundas. Tudo é profundo nestas profundezas. Aqui não vento, não há sol, não há luar. Aqui, tudo é profundo. Profundamente profundo. Mas aqui, neste mundo profundo, neste universo que é um mundo, profundo, também surgem tonticidades. Profundas. Neste universo profundo. Oceano. Mar. Azul. Tonticidades.

MC