segunda-feira, julho 04, 2005

Observo um aquário

Observo um aquário. Vários peixes, de muitas cores, navegam circunscrevendo trajectórias sem sentido. Mas com todo o sentido. Concentro-me num peixe, o maior, o mais velho, provavelmente, que navega junto ao fundo. Observa. Inspecciona. Vem a cima. Desce novamente. Contempla todos os outros. Observo um outro que não sai da superfície. Busca alimento. Parece. Outros dois guerreiam-se. Lutam não sei por que razão. Mas eles devem ter uma razão. Eu sei que eles sabem por que lutam. Não lhes perguntei porque sei bem que a minha voz não conseguiria ultrapassar o vidro do aquário. E se ultrapassasse essa fronteira, ficaria distorcida. E eles não me entenderiam. Para além disso, não sei se eles entendem a minha língua. Então, não lhes perguntei. Apenas os observei. A lutar. Correr. Fugir. Brincar. Talvez. Enquanto isso, outros dois peixes namoravam. Pareceu-me. Aquilo não era uma luta. Não, não podia ser. Só podia ser um Peixe e uma Peixa a namorar. Percorriam todo o aquário. Desciam ao fundo, ascendiam velozmente e voltavam a descer. Não se cansavam. Ora ia o peixe à frente, ora ia a Peixa. Olhavam-se carinhosamente. Os seus lindos olhos brilhavam como pirilampos fluorescentes. As borbulhas da água do seu respirar pareciam formar pequenos grandes corações. Eles não observavam os outros. Apenas se observavam um ao outro. Tudo o que faziam era um pelo outro e em função um do outro. O peixe maior, o mais velho, não lhes interessava. Os dois peixes a guerrearem-se muito menos. A falta de alimento também não constituía problema. Eles estavam muito bem alimentados. De amor.

MC


Nota do autor: Tenho uma paranóia (mais uma) que consiste em observar aquários e tentar entender os peixes. Sou capaz de ficar vários minutos/horas a observar um aquário. Este texto foi pensado durante a observação atenta de um aquário que mora num bar que costumo frequentar.