sexta-feira, junho 24, 2005

Homenagem a Eugénio de Andrade

O Eugénio de Andrade nunca foi dos meus poetas preferidos. Lamento ter que o dizer, mas é verdade. Se disser que conhecia três poemas dele acho que já estou a exagerar. Sinto ainda mais vergonha em dizer que só depois do seu desaparecimento me dei ao trabalho de pesquisar a sua biografia, ler e reler algumas partes da sua obra. Nessa pesquisa encontrei um ponto em comum comigo. Uma forte admiração por Fernando Pessoa. Entusiasmei-me. Continuei a estudar o poeta. Notei nos seus versos uma simplicidade invulgar. Admirável. O Eugénio de Andrade construía versos com palavras simples, quotidianas, humildes. Palavras simples que no seu conjunto formam poemas encantadores. Em sua homenagem, deixo aqui um desses poemas:


Na orla do mar,

Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
- e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo -
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.


Eugénio de Andrade.

Cores

Mar azul,
Sereia verde,
Fogo laranja,
Vermelho coração,
(Revolução)
Púrpura má-sorte,
Preto solidão,
Roxo morte,
Cinzento saudade,
Rosa alegria,
Branco verdade,
Amarelo dor.
Tudo tem cor.
Tudo tem magia.

MC

quinta-feira, junho 23, 2005

Pensar

Sinto-me cansado de tanto pensar em não pensar.

MC

quarta-feira, junho 22, 2005

Nós

Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos – um poço fitando o Céu.


O Livro do DesassossegoFP

terça-feira, junho 21, 2005

Não sei

Nos últimos 3 dias tentei encontrar-me mas não consegui. Perdi-me. Estive a dormir. Sonhar? Talvez. Andei por aí. Não consegui navegar pelos oceanos da tonticidade. Faltou-me o navio. Ou força de braços para nadar. Não sei. Ou talvez tenha conseguido e não dei por isso. Não sei bem. Não me lembro. Não sei o que fiz. Nem sei se fiz. Sei lá. Não sei nada. E sei tudo. Mas não me lembro.

MC

sábado, junho 18, 2005

As Ondas

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, junho 17, 2005

Imagens e Palavras

Não sei bem porquê, por que razão, mas dei comigo a pensar em provérbios populares e expressões ditas por pessoas, pelos comuns, pelos mortais, por aqueles que não têm por hábito navegar pelos oceanos da tonticidade. Lembrei-me da expressão: “Uma imagem vale mais que mil palavras!” E pensei: Mil palavras? Uma imagem? O que é uma imagem? E uma palavra? Eu poderia dizer o contrário: Uma palavra vale mais que mil imagens! Não tem sentido na mesma? Claro que sim. Ao reflectir sobre este assunto lembrei-me (às vezes lembro-me de coisas) do filme “Branca de Neve” do João César Monteiro. Ecrã negro. Só palavras. Magnífico. Claro que o público não apreciou esta loucura do João César Monteiro, mas, como ele próprio na altura disse: “Quero que o público se foda”. Poucos foram os que perceberam que aquele filme foi para valorizar as palavras e desprezar as imagens. Não que as imagens não tenham valor, mas porque são demasiadamente valorizadas em detrimento das palavras. Ainda deambulando sobre o filme, poucos são os que sabem que ele, o João César Monteiro, inspirou-se num livro chamado “Graças e Desgraças do Olho do Cu”. É verdade. Usando as suas palavras: “achei interessante fazer-se um filme que tomasse o ponto de vista do olho cego, do olho que não vê, do olho discreto, oculto geralmente entre duas belas rotundidades.” Mas esta cena do filme foi um parêntesis, porque eu só queria valorizar as palavras, tantas vezes desprezadas em função do valor que se atribui às imagens. Pelo menos aqui, os dicionários da tonticidade conhecem palavras que valem muito mais que mil imagens.

Nota: O cor-de-rosa deste texto deve-se à Branca de Neve e ao cinema. Lembrei-me que no Trivial Pursuit os queijos sobre cinema e espetáculos são cor-de-rosa.

MC

quinta-feira, junho 16, 2005

Realidade? Imaginação?

Será que toda a realidade é pura imaginação?
Será que toda a imaginação está mergulhada na realidade?
Serão ambas as coisas?

MC

quarta-feira, junho 15, 2005

Ausência

Numa noite tão preenchida e tão vazia
Sento-me, levanto-me, abro a janela,
Desfaço-me na escuridão
À procura dela,
Envolvo-me na imensidão
E sinto a sua companhia.

Alucinações

Não. Não sou eu quem escreve neste blog. Não. Não sou eu. É alguém diferente. Algo superior. É algo que está dentro de mim mas que, por vezes, se desencaixa e me abandona. Solta-se. Liberta-se. Voa por aí. Dialoga comigo. E como eu adoro dialogar e filosofar com esse pedaço de mim. Discutimos horas a fio sobre as coisas, os lugares, as situações, os momentos, o tempo, o universo, tudo e nada. A diferença não é muita. As semelhanças é que muitas vezes estão (sobre)carregadas de diferenças. E as diferenças de semelhanças. É este diálogo com esse pedaço de nós que nos atormenta. E nos alimenta. E nos faz (sobre)viver.

MC

Homenagem a Álvaro Cunhal

"É preciso nunca perder a capacidade de sonhar"

Foi uma frase proferida por ele numa breve conversa que tive oportunidade de ter com ele. Apetece-me acrescentar: mas sem tirar os pés da Terra... mas logo a seguir apetece-me corrigir e voltar a deixar estar... sim... sonhar... sonhar sonhar sonhar mesmo sem os pés na Terra... sonhar, voar, sonhar, é preciso saber voar...

terça-feira, junho 14, 2005

Hora

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta - por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.
Desligadas dos círculos funestos

Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Estou Tonto

Estou tonto,
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos nisto: estou tonto.
Afinal

Que vida fiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto ...
Agora

Todas as manhãs me levanto
Tonto ...
Sim, verdadeiramente tonto...

Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.
Mas se isto é assim, é assim.

Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.

Álvaro de Campos (FP)