Tonticidades são pensamentos, reflexões, emoções que conseguem, por vezes, escapar à censura da razão!
MC
quinta-feira, setembro 29, 2005
Informação
Para os fãs de Jorge Palma (como é o meu caso), informo que hoje, Quinta-feira, 29 de Setembro, pelas 21:30, ele estará no Teatro Rivoli, num concerto de angariação de fundos para a ACAPO (Associação dos Cegos e Ambílopes de Portugal). Para além do Jorge Palma estarão ainda presentes: Semente, Homem Mau, Ana Deus, Quim Roscas e Zeca Estacionâncio.
A coisa assim não dá, disse-me um dia o meu pai Tu vives em sociedade e tens que perceber Que as regras são para se cumprir... não sei se tu estás a ver, pá... Ah, ah! - disse eu - Estou a ver muito bem... Mas já agora diz lá que culpa tenho eu Que no teu jogo existam cartas que não fazem sentido no meu...
Podem falar, podem falar, Que o meu lugar é andar e o meu passo é correr De vez em quando a cantar de vez em quando a sofrer. Podem falar, podem falar, Mas estão a perder tempo se pensam que um dia me hão-de amarrar.
As principais capitais aprendi eu no liceu, Vi retratos de reis em tronos de ouro e marfim, Mas ninguém me ensinou a nadar no rio que nasce dentro de mim. Um dia pus-me a lutar, com as minhas contradições Estive quase a morrer, mas acabei por escapar. Para quem ama a liberdade o importante é nunca parar
Podem falar, podem falar, Que o meu lugar é andar e o meu passo é correr De vez em quando a cantar de vez em quando a sofrer. Podem falar, podem falar, Mas estão a perder tempo se pensam que um dia me hão-de amarrar. Já vi muita gente a tentar agradar A todo o gajo que pensa que nasceu para mandar, Mas tenho visto muita gente que está só, a morrer devagar, E a distância que existe entre o não ser e o ser É uma questão de não se ter medo de ir longe demais. O que ainda não tem preço é sempre o que vale mais.
Podem falar, podem falar, Que o meu lugar é andar e o meu passo é correr De vez em quando a cantar de vez em quando a sofrer. Podem falar, podem falar, Mas estão a perder tempo se pensam que um dia me hão-de amarrar.
Faz hoje 28 anos que vi o mundo pela primeira vez. Isto, segundo relatos dos meus pais. Eu não me lembro de nada! Embora céptico, acredito parcialmente neles. Parcialmente porque olho-me ao espelho e acho que não foi assim há tanto tempo... :)
É uma foto de Gavarnie. Pirenéus franceses. Estive lá em 1998. Hoje, não sei bem por que razão mas lembrei-me dessa expedição aos Pirenéus. Lembrei-me de Gavarnie. Lembrei-me de uma semana fantástica que passei lá. Nas montanhas francesas. Eu e um amigo andamos há cerca de 5 anos a tentar planear uma nova ida lá. Mas nunca passamos da fase do planeamento. A vida complica-se e é assim. Ficámo-nos pelos projectos. Talvez o Jorge Palma tenha razão: “Para quê fazer projectos quando sai tudo ao contrário?” A execução vai sendo adiada. Hoje tomei uma decisão. Essa coisa difícil... decidir. Tenho saudades da montanha. Quero lá voltar. Seja a Gavarnie, Pirenéus, Picos da Europa, Alpes, seja onde for. A vida na cidade é demasiadamente suja. Assim como grande parte dos que nela participam. Quero ir até à montanha. Quero saborear o silêncio das aves. Dissolver-me nas cores limpas dos raios solares montanhosos. Encaixar-me neles e percorrer todos os cumes, vales, planaltos. Ser perturbado apenas pelo helicóptero de salvamento. E não pela sujidade citadina, vazia, sufocante, obsoleta.
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as maneiras. Sentir tudo excessivamente, Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas E toda a realidade é um excesso, uma violência, Uma alucinação extraordinariamente nítida Que vivemos todos em comum com a fúria das almas, O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, Quanto mais personalidade eu tiver, Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas, Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, Estiver, sentir, viver, for, Mais possuirei a existência total do universo, Mais completo serei pelo espaço inteiro fora. Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for, Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo, E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.
Cada alma é uma escada para Deus, Cada alma é um corredor-Universo para Deus, Cada alma é um rio correndo por margens de Externo Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.
Sursum corda! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito,
Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo! Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande, As coisas, de braços cruzados sobre o peito, reparam
Com uma tristeza nobre para os meus olhos abertos Que as vê como vagos vultos nocturnos na noite negra. Sursum corda! Acordo na noite e sinto-me diverso. Todo o Mundo com a sua forma visível do costume Jaz no fundo dum poço e faz um ruído confuso,
Escuto-o, e no meu coração um grande pasmo soluça.
Sursum corda! ó Terra, jardim suspenso, berço Que embala a Alma dispersa da humanidade sucessiva! Mãe verde e florida todos os anos recente, Todos os anos vernal, estival, outonal, hiemal, Todos os anos celebrando às mancheias as festas de Adônis Num rito anterior a todas as significações, Num grande culto em tumulto pelas montanhas e os vales! Grande coração pulsando no peito nu dos vulcões, Grande voz acordando em cataratas e mares, Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança, Em cio de vegetação e florescência rompendo Teu próprio corpo de terra e rochas, teu corpo submisso A tua própria vontade transtornadora e eterna! Mãe carinhosa e unânime dos ventos, dos mares, dos prados, Vertiginosa mãe dos vendavais e ciclones, Mãe caprichosa que faz vegetar e secar, Que perturba as próprias estações e confunde Num beijo imaterial os sóis e as chuvas e os ventos!
Sursum corda! Reparo para ti e todo eu sou um hino! Tudo em mim como um satélite da tua dinâmica intima Volteia serpenteando, ficando como um anel Nevoento, de sensações remanescidas e vagas, Em torno ao teu vulto interno, túrgido e fervoroso. Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente Meu coração a ti aberto! Como uma espada traspassando meu ser erguido e extático, Intersecciona com meu sangue, com a minha pele e os meus nervos, Teu movimento contínuo, contíguo a ti própria sempre,
Sou um monte confuso de forças cheias de infinito Tendendo em todas as direcções para todos os lados do espaço, A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim Não passem de mim, nem quebrem meu ser, não partam meu corpo, Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas, Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos. Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo. Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão, No vasto chão supremo que não está em cima nem embaixo Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais.
Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima, Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo De chamas explosivas buscando Deus e queimando A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica, A minha inteligência limitadora e gelada. Sou uma grande máquina movida por grandes correias De que só vejo a parte que pega nos meus tambores, O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis, E nunca parece chegar ao tambor donde parte ...
Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si, Cruzando-se em todas as direcções com outros volantes, Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus.
Dentro de mim estão presos e atados ao chão Todos os movimentos que compõem o universo, A fúria minuciosa e dos átomos, A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos, A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,
A chuva com pedras atiradas de catapultas De enormes exércitos de anões escondidos no céu.
Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma. Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode, Freme, treme, espuma, venta, viola, explode, Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge, Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida, Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes, Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos, Sobrevive-me em minha vida em todas as direcções!
Passamos pelas coisas sem as ver, Gastos, como animais envelhecidos: Se alguém chama por nós não respondemos, Se alguém nos pede amor não estremecemos, Como frutos de sombra sem sabor, Vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca Como uma verdade de que não partilho, E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra mim.
Adaptado de "Na noite terrível" de Álvaro de Campos (FP)