quarta-feira, agosto 31, 2005

Jorge Palma

Sendo eu um fanático (ou quase) das letras e músicas do Jorge Palma, não me perdoo a mim próprio o facto de "desconhecer" uma das suas melhores músicas - Passos em volta. Foi preciso um tonto amigo meu me falar na música para eu (re)descobrir a sua dimensão. Como forma de desculpa, deixo aqui a letra da referida música.


Quando o Sol chegou
Aos subúrbios da cidade
Anunciando mais um dia
Igual aos outros
Ele acordou e pressentiu
Que hoje o seu dia ia ser
Diferente
Sentiu nos lábios o sabor
Dum sorriso
Finalmente triunfante
Escorregou da cama
E contemplou
O espelho sorridente

Acabou-se a incerteza
Dos seus passos em volta
Dum sentido que ele nunca
Encontrou
Pela primeira vez
Tinha o destino nas mãos
Desta vez ele não duvidou

Sentiu-se invadir
Por uma estranha lucidez
Que o conduzia pelas calhas
Do passado
Serenamente descobriu
Que afinal tudo tinha o seu
Sentido
Levou o olhar à janela
Lá em baixo
A rua estava abandonada
Levantou o fecho
E de repente
Alcançou a liberdade

Acabou-se a angústia
Dos seus passos em volta
Dum amor com que ele apenas
Sonhou
Pela primeira vez
Tinha o futuro nas mãos
Abriu a janela e voou ...


Letra e música: Jorge Palma

terça-feira, agosto 30, 2005

Cidade Luz



MC

Insónia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos (FP)

sexta-feira, agosto 26, 2005

Dúvidas e certezas


Se os rios, que são rios, têm dúvidas sobre o caminho a seguir, porque haveríamos nós, que não somos rios, de ter certezas?

MC

segunda-feira, agosto 22, 2005

Navegar


"Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável."

(Séneca)

Aprecio esta frase e compreendo a metáfora mas não posso concordar inteiramente com ela porque, por vezes, o destino sufoca-nos. Limita-nos a liberdade. De pensamento e de acção. Por vezes, é mesmo melhor navegar sem destino. Seja para onde for.

MC

quarta-feira, agosto 17, 2005

Antes de nós


Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.


Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes


Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?



Foto: MC
Poema: Ricardo Reis (FP)

sábado, agosto 13, 2005

Alentejo



Não é um poente mas sim o nascer do sol. No Alentejo. Eu sabia que o Alentejo tinha sol. Ouço muitas vezes falar do calor e da seca no Alentejo. Portanto é natural que no Alentejo o sol também nasça. Tal como no resto do país. O que é pena é que ele não nasça para todos...

MC

domingo, agosto 07, 2005

Férias

Vou de férias. Algarve. Espero encontrar-me por lá, uma vez que por aqui tenho andado meio perdido. Gosto do Algarve. Só tem um (grande) defeito: o sol não se põe no mar. Regresso sexta-feira, 12 de Agosto. Até lá, vou mergulhar em tonticidades do Mediterrâneo.

MC

quinta-feira, agosto 04, 2005

Não sei de mim

Perdi-me. Não sei de mim.
Nem onde me encontrar.
Já me procurei,
Mas não me encontrei.
Procurei por lugares,
Ruas, caminhos,
Lagos, rios, mares
Tantos mares...
Vi peixes, algas,
Rochas, corais,
Procurei mais
E vi sereias,
E tantas ideias,
Mas não me vi a mim.
Procurei, procurei, procurei,
Bosques, jardins, florestas,
Sempre desertas,
Nunca me encontrei.
Montanhas altas,
Muito altas,
E todos os lugares inóspitos.
Nem sinal.
Nada.
Alguém me viu?
Ajudem-me a procurar,
Se me virem – avisem-me.
Quero-me (re)encontrar,
Quero voar.
E navegar.
(No meu mar).

MC